O reconhecimento dos direitos da criança e do adolescente é uma conquista recente, mas que teve sua origem e embasamento nos pressupostos e tratados de todo o processo histórico de sensibilização e implementação dos Direitos Humanos no mundo.
Nesta longa história, a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança em 1989, também sob influência da Declaração de Genebra dos Direitos da Criança de 1924, nos fomenta a assegurar os três maiores pilares que a Sociedade e o Estado devem conferir às crianças e adolescentes: Proteção, Provisão
[1] e Participação.
Neste sentido, no Brasil, a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente foi precedida de uma ampla influência e principalmente da mobilização dos diferentes atores da sociedade civil, propondo uma nova visão de atenção acerca da infância, tendo, sobretudo como base de seus pressupostos, as diretrizes preconizadas pela Convenção dos Direitos da Criança.
Todo este processo gerou um movimento para uma mudança de enfoque dos direitos da criança, onde anteriormente era vista como um “adulto miniaturizado” com poucos deveres, e assim, poucos direitos e o poder era conferido aos pais para que fosse utilizado da maneira como quisessem. Em seguida, o entendimento do “poder” passa a ser utilizado somente em defesa dos filhos, onde estes passam a ser vistos como indivíduos desprovidos e, portanto um ser humano incompleto.
Com o Estatuto foi possível conferir às crianças e adolescentes como indivíduos em condição peculiar de desenvolvimento convocando a Família, a Sociedade e o Estado para a participação e divisão de responsabilidades na promoção de condições adequadas ao desenvolvimento destes. Propôs uma mudança de práticas assistencialistas, estigmatizantes e segregadoras, rompendo a doutrina de situação irregular do Código de Menores numa visão de objeto, passando então a situar a criança e o adolescente como pessoas em desenvolvimento, e, portanto, de direitos.
Este amplo movimento com a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança e, no Brasil, com o Estatuto da Criança e do Adolescente possibilitou a incorporação de direitos individuais e de cidadania, à criança e ao adolescente.
No entanto, com a comemoração dos 18 anos do Estatuto dos Direitos da Criança e do Adolescente, podemos observar que mesmo diante deste marco legal trazendo inovações no que tange aos direitos destes, ainda esbarramos com práticas e idéias que persistem inviabilizando e dificultando a legitimação de crianças e adolescentes como sujeitos de direitos.
É fato que atualmente as crianças e adolescentes participam muito mais no a dia a dia do que anteriormente. Mas, é claro, precisam de apoio para sua promoção, proteção e defesa. O desafio, porém, consiste em a Sociedade e o Estado conciliar e executar os três pilares conferidos a eles: Proteção, Provisão e Participação, principalmente quando se esbarra em questões sociais, políticas e econômicas.
Como buscar o equilíbrio de práticas e “olhares” para indivíduos que foram negligenciados e discriminalizados por tanto tempo e vislumbrar, ou melhor dizer, fomentar e trabalhar para que sejam participantes na construção e efetivação de seus direitos?
Pode-se observar o reconhecimento crescente nas organizações que trabalham com crianças e adolescentes de que mais do que nunca se torna necessário repensar, ampliar e/ou fortalecer suas práticas para de fato sensibilizar e convocar estes para a efetivação e luta de seus direitos enquanto cidadãos. No entanto, ainda há muito que se repensar e fazer.
A definição de um conceito e de práticas de Enfoque da Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente requer reflexões e debates. No entanto, é imprescindível que este enfoque seja visto mais do que ações que viabilizem a participação das crianças e adolescentes, mas principalmente possibilite a transformação do marco zero, ou seja, implica na mudança para uma melhor qualidade de vida para as crianças, adolescentes, famílias e comunidade na qual estão inseridas e, concomitante a isto, não há como separar deste resultado, a efetivação de seus direitos.
Desta forma este enfoque deve ser um tema transversal presente em todas as práticas e ações das organizações junto ao seu público atendido, desde o planejamento, implementação e monitoramento destas. O direito de participar deve ser um exercício contínuo de práticas implicando no dever de participação ainda mais no que tange aos caminhos para restaurar os direitos violados, exercendo assim a prática de sujeitos dos próprios direitos.
O enfoque dos direitos da criança e do adolescente não pode ser visto como algo abstrato ou restrito, ele deve perpassar as práticas e ações de toda e qualquer organização que se propõe a trabalhar com estes, inclusive, com suas famílias e comunidades. Ainda mais porque a família e a comunidade desempenham papel fundamental e importante na implementação destes direitos.
O Estado não conseguindo atender sua demanda, ou melhor, exercer o seu dever perante os cidadãos, seja por falta de recursos, corrupção, irregularidades e/ou incompetência não deve deixar de ser instigado não só por organizações que desempenham parte de sua função, mas principalmente, ser provocado por qualquer indivíduo; e aqui, acreditamos nos adolescentes como sujeitos em potencial para esta função!
Por isto, fugindo de qualquer discurso, participar, protagonizar é mais do que abrir espaços e construir práticas que não se embasam num processo com início, meio e fim. Isto quer dizer a algumas organizações que trabalhar para que as crianças, adolescentes, suas famílias e comunidades conheçam os seus direitos, não tendo um exercício contínuo de fazer valer os mesmos, não incluindo estes desde o planejamento, implementação, monitoramento e avaliação, é o mesmo que dizer muito trabalho para quase nada. Ou seja, pouca efetividade e nenhum empoderamento de muitos daqueles que ao longo da história acabam por repetir o mesmo ciclo de exclusão e acomodação, no sentido de só receber e pouco fazer. Ainda mais talvez por que nunca tiveram a oportunidade real de se sentirem capazes e de direitos.
É importante que o enfoque de direitos vise a concretização de ações cotidianas que fomentem, abram e instaurem continuamente o exercício protagônico de crianças, adolescentes, famílias e comunidade.
Isto é salientar que o Estatuto da Criança e do Adolescente nascendo também a partir dos avanços da Constituição Federal de 1988, a efetivação dos direitos depende, com certeza, da implementação de políticas públicas e para isto é fundamental a parceria e os trabalhos da sociedade civil.
Não é um caminho fácil, mas possível!É como um dia ouvi de um adolescente que ao ir a um hospital quando sua namorada estava em trabalho de parto, pediu incisivamente e em ‘bom tom’ PRIORIDADE ABSOLUTA no atendimento desta, alegando um direito previsto no Estatuto!Não era a “voz” de alguém falando por ele, e sim, a sua própria voz deixando claro a todos e a todas ali presentes que ali não estava um “alienado”(ali é nada!), mas sim, um sujeito de direitos, um cidadão!
Somente quando as organizações estiverem cientes e verdadeiramente colocando em prática estratégias que possibilitem o real e concreto empoderamento de crianças, adolescentes, famílias e comunidade na busca e luta de seus direitos, é que de fato, estarão desenvolvendo um trabalho no Enfoque dos Direitos de crianças e adolescentes.
Christiane Rezende
Assessora de Projetos
KNH Brasil SECO